GUERREIROS EM DEFESA DO ESPORTE PARAOLÍMPICO
Desde 2005, a RS Paradesporto se destaca na formação de paratletas gaúchos. Porém, a instabilidade financeira preocupa o futuro da entidade
Danillo Lima
danillo.lima@ufrgs.br
A crise econômica que assola o Rio Grande do Sul reflete no esporte. A pasta, que faz parte da Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer do RS (Sedactel), acaba por ser deixada em segundo plano, quando se trata de investimento, neste grave período financeiro. A situação fica ainda mais delicada especificamente quando se trata de esporte voltado às Pessoas com Deficiência (PCDs). Mais um obstáculo na vida dos guerreiros que já lutam diariamente.
Situada em Porto Alegre, a RS Paradesporto é a maior instituição do Estado que fomenta o esporte paraolímpico. Fundada em 2005, a entidade tem como objetivo revelar e desenvolver paratletas, disponibilizando o aporte instrumental para a capacitação esportiva. Nesse contexto, a instituição visa alterar os paradigmas da sociedade em relação a pessoas com deficiência, aumentando a visibilidade da área e proporcionando oportunidades únicas na vida de PCDs.

O treino do basquete em cadeira de rodas no Ginásio Tesourinha. Foto: Gabriel Delgado/RS Paradesporto
Os guerreiros – alcunha normalmente dada aos atletas da RS Paradesporto – estão presentes nos mais diversos esportes paraolímpicos: basquete em cadeira de rodas, atletismo, bocha, tênis de mesa, esgrima e paraciclismo. A entidade conta hoje com cerca de 50 atletas de alto rendimento e mais 80 alunos no programa de iniciação paraolímpica.
Para realizar os treinos, o futuro paratleta pode se registrar gratuitamente na instituição e a partir daí realiza um procedimento padrão. “Primeiramente é feita uma avaliação psicológica e verificado qual a doença pela CID (Classificação Internacional de Doenças). Depois, encaminhamos o futuro atleta para categorias específicas e treinamentos conforme a avaliação. Crianças e adolescentes geralmente acabam vão para o atletismo, e os adultos, basquete em cadeira de rodas”, explica Nilo da Silva, psicólogo e responsável pelo primeiro contato da instituição com o futuro atleta e seus familiares.
Depois desse momento, o guerreiro tem a sua disposição periodicamente o CETE (Centro Estadual de Treinamento Esportivo) e a quadra do Ginásio Tesourinha, ambos espaços da esfera pública localizados no bairro Menino Deus. Porém, esses locais foram conquistados pela RS Paradesporto após uma intensa luta jurídica comandada pelo presidente da instituição, Luiz Carlos Portinho. O espaço público reservado para a prática de esportes precisa de uma ação jurídica advinda do lado dos paratletas, pois aguardar um movimento Poderes é esperar em vão, segundo Portinho.
Na sede da RS Paradesporto, na região central da capital, as taças e medalhas conquistadas decoram a estrutura. No local há uma biblioteca, um laboratório de informática e um espaço reservado para apoio psicológico e fonoaudiologia. Além disso, a instituição oferece suporte jurídico, caso haja necessidade, para os paratletas. As leis para garantir acessibilidade e prática de esportes para PCDs existem e devem ser aplicadas, e isso é resultado de um processo histórico de luta.
A HISTÓRIA DOS GUERREIROS
“O início está lá na década de 1970, com a Arpa”, conta Portinho. A Arpa (Associação Riograndense de Paralíticos e Amputados) foi uma entidade de Porto Alegre extinta na década de 2000, precursora dos esportes paraolímpicos no Rio Grande do Sul. Contou com uma bem-sucedida equipe de basquete em cadeira de rodas, que continuou atuando mesmo após o fim da Arpa. Um dos paratletas desse time foi o próprio Portinho. Da dissidência dessa instituição se formou a RS Paradesporto.
Segundo Portinho, a RS Paradesporto se diferenciou das outras ONGs (Organizações não-governamentais) e das instituições públicas de apoio às PCDs, pois foi a única focada na formação de paratletas, além do apoio jurídico e médico necessário.
A função da instituição não se resume apenas ao esporte. A preocupação social está atrelada, quase que por definição, às funções da entidade. A Constituição de 1988 garante a seguridade social, além do direito à saúde, porém quanto à atividade profissional, só veio a ser regulamentada numa lei de 1991, que obriga as empresas privadas a destinarem uma porcentagem pré-determinada de vagas para PCDs. Com a Lei Municipal 10.351, de 7 de janeiro de 2008, que determina a reserva de vagas para PCDs em todos os contratos firmados entre o Poder Público Municipal e as empresas ou entidades prestadoras de serviço. A partir daí, foi criado pela RS Paradesporto o projeto “Trabalhando pela Inclusão”, que tem como objetivo capacitar pessoas com deficiência, através de cursos e atualizações, visando a obtenção de vagas no mercado de trabalho.
A área da saúde e seguridade social, sempre foi uma preocupação máxima da instituição. “Sempre tem a ideia de que o deficiente precisa de uma doação, de uma cadeira de rodas. É claro que precisamos de adaptações e tratamentos especiais, porém a gente luta pela alteração desse paradigma, como entidade que combate as políticas assistencialistas. A gente busca realizar projetos e políticas públicas que contemplem a pessoa com deficiência como sujeito capaz e não como doente”, reforça Portinho.
Focando exclusivamente no esporte, um momento histórico foi a criação da Escola Paraolímpica Gaúcha, em 2009. O projeto se destina a propiciar às crianças com deficiência um espaço para a prática de atividades desportivas. Em 2010, a Lei Municipal n° 10.989 instaurou o Projeto Esporte Paraolímpico na Escola, com a finalidade de propor aos alunos com deficiência matriculados na rede pública de ensino do Município de Porto Alegre a prática de esportes em uma ou mais das modalidades reconhecidas pelo Comitê Paraolímpico Brasileiro. Desta forma, a RS Paradesporto abriu o seu apoio para a defesa também das crianças PCDs.
Após a Escola Paraolímpica Gaúcha, foi liberado o espaço do CETE para os treinos, o que fomentou os investimentos e doações, além de garantir um melhor desempenho do atleta. Neste processo foi assinado o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público, obrigando o governo do Estado a ceder o Centro Esportivo para a escola. Para o Ginásio Tesourinha, espaço de jurisdição municipal, houve o mesmo procedimento a fim de priorizar os horários dos paratletas.
O APOIO FINANCEIRO
Como instituição não-governamental e sem fins lucrativos, a RS Paradesporto desde sua criação teve que se autogerir através de financiamentos e atividades de doações voluntárias. Desde sua criação, pequenos empresários ajudaram no pagamento dos funcionários e compra de equipamentos. A ponto de virada se deu em 2012, quando um edital da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco), aprovado em 2012 via Criança Esperança, foi aceito.
O edital viabilizou um investimento considerável na entidade, com a contratação de professores, médicos e funcionários, além de compra de diversos materiais e equipamentos essenciais para a atividade esportiva. “Com esse apoio da Unesco conseguimos comprar cadeira de rodas e veículo próprio – incluindo o combustível – para o transporte das crianças”, explica a diretora esportiva Cíntia Florit.
A direção da instituição afirma que este período foi uma peça-chave para o desenvolvimento do projeto da entidade e valorização do esporte paraolímpico no Rio Grande do Sul. Isso foi revertido em diversas medalhas. Aser Mateus de Almeida Ramos, 26 anos, portador de paralisia cerebral grave, é um dos grandes nomes brasileiros do salto em distância. Formado na RS Paradesporto, o paratleta bateu em 2017 o recorde das Américas em 2017, conseguindo a marca de 6 metros no Circuito Paraolímpico Loterias Caixa.

O recordista Aser Mateus e sua medalha de ouro no salto em distância na classe T38, para atletas com paralisia cerebral. Foto: Arquivo RS Paradesporto
A problemática se deu quando o edital da Unesco teve seu fim em 2017. A partir desse momento, a receita da instituição caiu consideravelmente e agora necessita de um novo plano de financiamento. Um dos projetos que ainda sobrevive é o “Ajudar É Uma Delícia”, parceria de 5 anos com um restaurante de Porto Alegre que realiza uma vez por mês um dia beneficente, destinando parte de sua renda à entidade.
“Nós estamos estudando como faremos para manter o projeto nessa mesma estrutura que vinha ocorrendo nos últimos anos. O fato é que vamos continuar, com apoio financeiro ou não. Nem que voltemos para as origens, contando com a ajuda de voluntários”, diz Portinho.
A instituição ainda mantém seu princípio de estar gerando o autoconhecimento nos guerreiros e desenvolvendo a noção de individualidade. A função social realizada pela RS Paradesporto dá uma oportunidade para talentos que, em geral, são desperdiçados pelos mais diversos fatores. “Quando o portador de deficiência se enxerga como um atleta, dá uma noção de autonomia que é muito importante sua própria noção de cidadão”, diz Portinho.